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Polarização nas redes sociais aparece até na criação de avatares

A maior treta de todos os tempos da última semana na internet gira em torno da ferramenta para a criação de avatares do Facebook. O software de Zuckerberg nos faz lembrar, ainda que vagamente, dos tempos áureos do Orkut. Enquanto uma lágrima nostálgica escorre pelo nosso rosto, a falta de seriedade na rede social de origem turca parecia deixar esse tipo de brincadeira mais divertida. Na última década, as redes se tornaram mídias sociais e os CPFs começaram a dividir o (ciber)espaço com os CNPJs.

O problema, na verdade, pode não estar no compartilhamento espacial entre pessoas físicas e jurídicas. É possível que apenas estejamos mais crescidos, e não me refiro necessariamente ao registro de nascimento (biológico), mas à experiência de vida em rede social. Ou somente precisamos aceitar que o aplicativo estadunidense é realmente mais estático e sem graça do que os Buddy Poke de tempos atrás. Os recursos do Orkut já têm mais de uma década.

O motivo da discórdia atual (que até deve ter passado quando você lê este texto) é menos interessante do que a confusão em si. Enquanto uns compartilham à exaustão o desenho do seu avatar, outros reclamam da dissemelhança entre este e o indivíduo pessoalmente, no “mundo real”. A crítica pode até não ter procedência, pois a pessoa, talvez, tenha mudado a sua aparência durante a pandemia. Por isso, não temos como saber se ela está parecida com aquela representação, afinal, tenho certeza, estamos todos de quarentena sem encontrar presencialmente nossos amigos (mais do que nunca virtuais) desde março, quando a OMS classificou a COVID-19 como uma doença mundial.

Para além disso, a utilização da ferramenta não parece possuir um contrato tácito de que o avatar precisa ser o mais verossímil possível. Em tempos de superexposição em redes como Instagram, estamos acostumados com as imagens mais editadas do que um filme de ficção científica de Hollywood e as cenas cotidianas mais bem selecionadas do que a construção narrativa (também em primeira pessoa) de Dom Casmurro. É de se estranhar, portanto, as cobranças para a aproximação da realidade a partir de um desenho, uma representação imagética que não busca necessariamente uma fidelidade com o modelo original. Se a ferramenta exigisse esta semelhança, seria mais uma boa oportunidade para investigações sobre autoimagem e exposição na internet.

Em espírito mais crítico, por outro lado, alguns questionam a estratégia empresarial do Facebook, sempre ávido em nos manter conectados e em obter mais informações sobre nós. Este assunto, a propósito, está em voga por causa de um documentário da Netflix, que expõe as negatividades das redes sociais em nossa vida. Ainda assim, não deixa de ser irônico, ao final de tudo o que é exposto em O Dilema das Redes, a rede de streaming sugerir diversos títulos para continuarmos assistindo aos vídeos da plataforma, a partir de nosso histórico de consumo. É como diz o meme, “enfim, a hipocrisia”. Quem sabe, após saírem da empresa, os funcionários também falam sobre essa manipulação que ajudaram a desenvolver, mas em outra plataforma e sob uma pretensa ingenuidade, como acontece no documentário.

O Dilema das Redes possui o mérito, como disse o pesquisador André Lemos, de trazer essa discussão para um público mais amplo e com poucas informações novas. Todavia, algumas abordagens parecem problemáticas, como o maniqueísmo nas disputas de poder (ao culpar a Rússia por questões nos e dos EUA, de um jeito que parece que a Guerra Fria não acabou há mais de três décadas); a construção de anti-heróis (de ex-funcionários que só denunciam o que ajudaram a criar depois de saírem do clubinho dos manipuladores, que faziam parte, por vezes, sem perceber); e a personificação do algoritmo (que pode criar falsas impressões na audiência, de um controle diferente do que existe). De qualquer forma, a construção dos avatares no Facebook faz parte do contexto exposto no documentário. E a briga em torno dessas imagens acontece, majoritariamente, na rede social que possui a ferramenta. De um jeito ou de outro, Zuckerberg atingiu seu objetivo e, neste jogo de engajamento e exposição, a casa sempre vence.

 

Allysson Martins é professor de Jornalismo e coordenador do MíDI na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), cujo avatar você pode conferir abaixo.

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MíDI - Laboratório de Mídias Digitais e Internet

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