mimiMíDI

UFC CORONA: organização censura atletas e jornalistas

Os profissionais que participaram do mais recente evento do UFC, em 9 de maio, precisaram assumir a responsabilidade pela própria saúde. Uma das cláusulas do contrato, porém, proíbe-os até de falar sobre irregularidades sanitárias porventura cometidas pela empresa durante a pandemia da COVID-19. O constrangimento moral desta norma de “não depreciação” se torna ilegal quando os jornalistas também tiveram de assiná-la para cobrir as lutas. Estes profissionais acompanharem um evento esportivo ou falarem sobre uma empresa sob a condição de não divulgar possíveis erros ou ilegalidades, sobretudo no caso de irregularidades sanitárias em tempos de pandemia, possui um nome: censura.

Os jornalistas não são empregados da organização, mas representantes da sociedade responsáveis por bem e verdadeiramente informar a população, em condição de liberdade – ao menos em uma democracia, como se propõe a estadunidense. Mesmo empregados como assessores de comunicação, teriam o direito de denunciar possíveis condições insalubres de trabalho. A punição para os lutadores é a total revogação financeira, ou seja, não ser pago pelo trabalho. Este termo, assinado por todos que estavam in loco nas lutas, foi descoberto por jornalistas do The New York Times e da ESPN; por aqui, o MMA Brasil divulgou a informação. Esse é apenas um preâmbulo para os acontecimentos desastrosos envoltos ao UFC 249, ou UFC Corona 1, o primeiro de uma sequência de três edições em apenas sete dias.

Os profissionais da mídia poderiam escolher não abordar aspectos de segurança à saúde, embora sejam critérios de noticiabilidade patentes numa crise sanitária mundial, mas jamais deveriam possuir proibições desta natureza em regimes não autoritários. A censura, de qualquer natureza, é incompatível com a democracia, que necessita, principalmente, de uma imprensa livre para informar a sociedade. É hora dos profissionais, ao menos da mídia, apoiarem-se e dos responsáveis pelo UFC se pronunciarem, porque negar que essa cláusula existe, como fez inicialmente o presidente da organização, não serve mais. Na verdade, Dana White ainda insiste, mesmo desmentido, que é uma norma comum em todos os contratos apenas para evitar mentiras, mas que opiniões verdadeiras podem ser emitidas.

O UFC 249 pode até ter sido sucesso de audiência, mas fracassou em seu “teste”. Os três diagnosticados com o novo coronavírus no dia do combate foram retirados do card. O lutador brasileiro Ronaldo ‘Jacaré’ e seus dois treinadores estavam infectados, mas já haviam interagido com outros profissionais desta edição. Durante as lutas, o presidente do maior evento de MMA do planeta estava sem máscara, assim como outras pessoas ao redor do octógono. As máscaras no queixo só não passaram uma mensagem mais negativa ao público do que o entrevistador, sem a proteção no rosto, encostando em todos os atletas. Desde que a competição esportiva profissional foi paralisada no mundo por causa da pandemia da COVID-19, Dana White tem se recusado a parar com os combates. Forçou o UFC Brasília, que aconteceu sem público em 14 de março, ainda no início de pandemia. Apesar da relutância, seis edições foram adiadas ou canceladas, mesmo com a promessa de lutas na praia de uma ilha ou em países ainda sem isolamento. Para o mandatário, já estava tudo certo, mas a ESPN, transmissora oficial do evento, e seus anunciantes preferiram adiar para o início de maio. Amigo de Donald Trump, que o parabenizou pelo feito, o presidente do UFC conseguiu, finalmente, promover as lutas sem público, finalmente, no estado da Flórida. Agora, é esperar pelas duas próximas edições, que devem acontecer no intervalo de três dias.

 

Allysson Martins é jornalista, professor e pesquisador do MíDI – Grupo de Pesquisa em Mídias Digitais e Internet da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

 

Para conhecer
Jorge Pedro Sousa. Teorias da notícia e do jornalismo.
Michael Schudson. News and democratic society: past, present, and future.
Rogério Christofoletti. Ética no jornalismo.
Allysson Martins. Do Vale Tudo ao MMA, do analógico ao digital.
Felipe Awi. Filho teu não foge à luta.

midi

MíDI - Laboratório de Mídias Digitais e Internet

Pular para o conteúdo