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WHITEWASHING: cinema embranquece personagens em suas adaptações

Hollywood sempre priorizou padrões específicos, os mais comuns são pessoas brancas, com olhos claros, magros, altos e normalmente loiros. Essa exigência até virou meme, com críticas ao fato de essas pessoas serem muito parecidas. Quem não se encaixa nesses padrões, geralmente é visto em papel subalterno e não como protagonista. Os personagens de filmes, quadrinhos e games que ousam sair desses padrões, quando adaptados para os cinemas, acabam passando por whitewashing, termo que se refere ao embranquecimento de personagens de outras etnias.

A jornalista Mariane Pearl foi interpretada no filme O Preço da Coragem por Angelina Jolie, que é branca. A profissional da imprensa nasceu na França, mas tem ascendência afro-cubana e possui cabelos cacheados. Já o oficial da CIA Tony Mendez, que é mexicano, foi interpretado no filme Argo por Ben Affleck, ator branco dos EUA. O elenco de O Último Mestre do Ar, baseado no desenho Avatar: A Lenda de Aang, sofreu muito com o embranquecimento. Os personagens Katara e Sokka têm influência da cultura dos povos inuítes e o protagonista Aang é asiático. Os atores que interpretaram os três personagens são todos brancos sem nenhuma ascendência indígena ou asiática.

Uma das representações mais famosas da rainha Cleópatra ganhou vida nos cinemas com a atriz britânica Elizabeth Taylor, uma mulher branca. Porém, de acordo com os historiadores, Cleópatra teria ascendência macedônica e raízes africanas, sendo improvável ter olhos claros e pele branca. Em 2020, foi anunciado que a atriz israelense Gal Gadot fará a rainha do Egito em nova adaptação, reascendendo o debate sobre a ancestralidade da rainha do Egito.

Tim Burton, o renomado diretor de filmes de fantasia, é conhecido por não escalar atores negros. Um caso famoso é o do longa O Lar das Crianças Peculiares, em que apenas o vilão é negro, interpretado por Samuel L. Jackson. Depois de diversas criticas, o diretor tentou explicar a situação: “Hoje em dia as pessoas estão falando mais sobre isso. Certas coisas pedem certas coisas, ou não. Lembro quando era uma criança, eu via A Família Sol, Lá, Si, Dó e eles começaram a ficar politicamente corretos. Tipo, vamos ter uma criança asiática e uma negra. Eu ficava mais ofendido com isso. Eu cresci vendo filmes sobre a cultura negra. Achava ótimo. Eu não ficava ‘devia ter mais pessoas brancas nesses filmes’”.

Esse histórico de Burton fez muitos fãs se preocuparem com o remake de A Família Addams. O medo plausível é o possível embranquecimento de Gomez Addams. O personagem tem como característica marcante falar espanhol, devido à sua ascendência latina; ainda que represente um estereótipo de sexualização desse grupo, Gomez é famoso pelo seu “charme”. O patriarca dos Addams já foi interpretado por diversos atores, mas o mais famoso é o porto-riquenho Raúl Juliá. Apesar da história dos Addams combinar com o estilo fantástico de Burton, o receio maior é essa possível transformação de Gomez em um homem branco (ou pior, em Johnny Depp).

As pessoas negras, além de passarem por embranquecimento, sofrem com blackface. A prática, que possivelmente iniciou-se em 1830 em Nova York, consiste em atores brancos deixarem seu rosto mais escuro, colocando ainda perucas e deixando os lábios e os narizes mais grossos e maiores. Esses estereótipos ridicularizam os negros como se fossem simples entretenimento para os brancos. Isso surgiu numa época em que os negros não podiam atuar por causa de suas cores e eram ofensivamente representados. Um caso conhecido é o de Laurence Olivier no papel de Otelo, de Shakespeare. O personagem é um homem negro, general do reino de Veneza e casado com Desdêmona, mulher branca e filha de um senador. A história trata de temas como amor, inveja, traição e, inclusive, racismo.

O ator e diretor Jordan Peele revelou durante uma sessão de perguntas no evento do Upright Citizens Brigade Theatre que não tem interesse em escalar atores brancos em seus filmes. “Não que eu não goste de caras brancos. Mas eu já vi muitos filmes assim antes”. Como um homem negro na maior indústria do cinema do mundo, Peele sabe como é difícil ser um protagonista e como os papéis para as pessoas da sua cor são sempre de subalternos, então, a sua fala é mais do que válida e necessária.

Em 2016, o humorista e ator Chris Rock foi o apresentador do Oscar e aproveitou a oportunidade para criticar a desvalorização e boicote a negros e o chamou de prêmio dos brancos. “Bom, estou no Oscar da Academia, também conhecido como os prêmios dos brancos […] Vocês se dão conta de que, se eles indicassem os apresentadores, eu nem teria este trabalho? Todos vocês estariam assistindo a Neil Patrick Harris nesse exato momento”.

O ano de 2020 trouxe representatividade asiática para Hollywood. O filme sul-coreano Parasita fez história como o primeiro filme falado em língua não inglesa a ganhar o Oscar principal de melhor filme, levando ainda os prêmios de direção, roteiro original e filme estrangeiro. A partir de 2024, os filmes indicados ao Oscar deverão cumprir regras de inclusão e representatividade de minorias ou grupos sub-representados. A academia pretende aumentar a diversidade e ajudar na maior igualdade de oportunidades na indústria do cinema. A ação vai ser um grande passo na diversidade, porque, apesar de vários países produzirem grandes obras audiovisuais, o cinema estadunidense tem um alcance grandioso e acabam representando um padrão que não é real para diversas pessoas ao redor do mundo, inclusive, para seus consumidores assíduos.

 

Vanessa Forte é jornalista, bolsista DTI do CNPq e membro do MíDI na Universidade Federal de Rondônia (UNIR).

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